Finja

Finja que é.
Olhe nos olhos e minta docemente
Como alguém que sente muito o que não sente.
Pule o degrau da escada sem ninguém ver
E olhe pro lado fingindo que há alguém a te ver
Achando lindo a sua vergonha de criança perecer
(e essa pessoa é você)
Finja que olha nos olhos de quem finges que é Céu
E finja o reboliço no estômago e a vertigem na alma o escarcéu
E finja a calma
Dance com o invisível que já salta aos olhos
Regue a linda rosa que arranha os poros
Só de pensar
Lance o indizível já materializado em tomos
Finja, que o Real é o fingimento dos Sonhos
Tentando se livrar

Canto do Peito

Paro
Penso
O poro tenso
Farejo
O medo
O meu próprio
Tento
Rijo
Preso
Como um corpo no ar
Prestes a se libertar na queda
Espera: a terra continua a girar
O mundo vive guerras
Grandes garras desgraçam o chão
Com a mesma paixão
De Amores devastando as sombras de vários corações...
Suave
Se salve
O sangue pesa como corre
Se lave
Um salve
Àqueles que sorriem como dentes brotando de cortes
Farejo meu próprio medo
Me perdoo pelo contrário desejo
E sorrio com o canto do peito.

Lindo Luto

Não dá.
A poesia é a única coisa pura
E a pureza é imprescindível,
Inestimável,
Surrada
E inatacável.
Não dá...
Eu juro que nem tentei viver sem poesia
Porque a vida sem tentar é a pior das hipocrisias.
Todo dia quando alguém desiste
Foi a tentativa de não tentar mais
Pra que algo irracional e lindo tomasse o controle do que é possível
Mas muito doloroso pra não se ter agora...
Eu sou poeta
Vivo num lindo luto
De me dar ao luxo de não servir a nada
Assim servindo pra tudo
Eu sou poeta
E assim lindo luto
Na luta de quem eternamente nada
No eterno Mar desse quarto escuro