quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Eu disse que sabia amar

Eu disse que sabia amar. Mas só disse.
Primeiro disse com os olhos naquela tarde de Primavera. Que era decerto outono, mas as flores que planavam no ar e o sabor do cheiro do toque no sol dos seus cabelos certamente me levavam a outra impressão. Acontecia a Primavera da minha vida, então as folhas secas eram meros trailers de filmes que passaram.
-Eu quero a sua alma.
-Então toma.
Tinha dias que eu viajava quarenta anos após o leve aparecimento daquelas rugas, e várias vezes fui profeta da nossa velhice. E era eterna a profecia, mas se eterna, como profetizar? Se uma coisa é eterna, ela já está lá, não há por quê... Mas o Amor nos faz querer profetizar, mesmo quando o eterno pode se espatifar na próxima esquina. E é bom por isso, pois os dias dos Nossos Dias se seguiam eternos na linda fila indiana anárquica e certeira por não querer nada com nada, que é o único jeito de querer tudo... Afinal é perda de tempo e falta de vergonha na cara querer fracionar o Tudo, concorda? A não ser que o Infinito seja nano metricamente dividido, pois assim transparece a paixão pela qual alguém deve se apaixonar e cativar paixões...
-Eu quero seu corpo.
-Então toma.
Ah, o corpo... Eu declamava poesia no meio do coito, eu o coitado mais feliz da face da Terra. E ela retribuía com seus gemidos e seu suor e suas mãos exalando carinhos que só alguém de espírito livre dá e só alguém de espírito livre recebe. Então quase nos tornávamos ar um pro outro de tanta liberdade, salvo a pele que é algo necessário pra chegar até as vísceras da alma... Quando se ama, obviamente. Pois sem Amor as vísceras são vísceras, os membros são membros e o amanhã é de ralação num ônibus lotado. Ralo assim, sem a aura das palavras verdadeiras e a verdadeira Poesia quando declamada no ritmo cardíaco.
Mas, num certo dia, o filme começou a soar repetitivo, e o que imperou foram os trailers... Folhas secas em tudo. O outono virou outono e da primavera em minúsculo não brotava mais nem o maiúsculo da palavra amor. E não me perdoei, e não te perdoei, quis que você morresse pra eu conseguir te ressuscitar dentro de mim, na inútil tentativa de querer guardar o outro num relicário impossível... Nem as coisas merecem um relicário, elas precisam ser visitadas pra que nós nos recordemos de nós mesmos. No mínimo um museu... E não existe um museu pro Amor, pois o Amor não foi feito pra museus:
-Devolva a minha alma...
-Não!
-Devolva o meu corpo...
-Não!
-Mas a Primavera existe independente de nós Meu Amor... Somos ciclo, entende?
-Ok, você venceu... Mas o que faço das lembranças? Virarão simples trailers horrendos outonais preconizadores de um inverno sem fim?
-Nossas lembranças são as rosas que te dei de presente pra que o Inverno no seu coração não desmantele sua Alma. Depois você arranja outra visitante pro seu jardim, mas nunca deixe que outros façam a jardinagem. É impossível.
-Mas eu te amo...
-Mas não. Eu Te Amo.
-Eu Te Amo.
Eu disse que sabia amar. Só disse.
E acreditei.



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