Eu disse que sabia amar. Mas só disse.
Primeiro disse com os olhos naquela tarde de Primavera. Que era decerto outono, mas as flores que planavam no ar e o sabor do cheiro do toque no sol dos seus cabelos certamente me levavam a outra impressão. Acontecia a Primavera da minha vida, então as folhas secas eram meros trailers de filmes que passaram.
-Eu quero a sua alma.
-Então toma.
Tinha dias que eu viajava quarenta anos após o leve aparecimento daquelas rugas, e várias vezes fui profeta da nossa velhice. E era eterna a profecia, mas se eterna, como profetizar? Se uma coisa é eterna, ela já está lá, não há por quê... Mas o Amor nos faz querer profetizar, mesmo quando o eterno pode se espatifar na próxima esquina. E é bom por isso, pois os dias dos Nossos Dias se seguiam eternos na linda fila indiana anárquica e certeira por não querer nada com nada, que é o único jeito de querer tudo... Afinal é perda de tempo e falta de vergonha na cara querer fracionar o Tudo, concorda? A não ser que o Infinito seja nano metricamente dividido, pois assim transparece a paixão pela qual alguém deve se apaixonar e cativar paixões...
-Eu quero seu corpo.
-Então toma.
Ah, o corpo... Eu declamava poesia no meio do coito, eu o coitado mais feliz da face da Terra. E ela retribuía com seus gemidos e seu suor e suas mãos exalando carinhos que só alguém de espírito livre dá e só alguém de espírito livre recebe. Então quase nos tornávamos ar um pro outro de tanta liberdade, salvo a pele que é algo necessário pra chegar até as vísceras da alma... Quando se ama, obviamente. Pois sem Amor as vísceras são vísceras, os membros são membros e o amanhã é de ralação num ônibus lotado. Ralo assim, sem a aura das palavras verdadeiras e a verdadeira Poesia quando declamada no ritmo cardíaco.
Mas, num certo dia, o filme começou a soar repetitivo, e o que imperou foram os trailers... Folhas secas em tudo. O outono virou outono e da primavera em minúsculo não brotava mais nem o maiúsculo da palavra amor. E não me perdoei, e não te perdoei, quis que você morresse pra eu conseguir te ressuscitar dentro de mim, na inútil tentativa de querer guardar o outro num relicário impossível... Nem as coisas merecem um relicário, elas precisam ser visitadas pra que nós nos recordemos de nós mesmos. No mínimo um museu... E não existe um museu pro Amor, pois o Amor não foi feito pra museus:
-Devolva a minha alma...
-Não!
-Devolva o meu corpo...
-Não!
-Mas a Primavera existe independente de nós Meu Amor... Somos ciclo, entende?
-Ok, você venceu... Mas o que faço das lembranças? Virarão simples trailers horrendos outonais preconizadores de um inverno sem fim?
-Nossas lembranças são as rosas que te dei de presente pra que o Inverno no seu coração não desmantele sua Alma. Depois você arranja outra visitante pro seu jardim, mas nunca deixe que outros façam a jardinagem. É impossível.
-Mas eu te amo...
-Mas não. Eu Te Amo.
-Eu Te Amo.
Eu disse que sabia amar. Só disse.
E acreditei.
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