Porque na maioria das vezes dá merda.
Hoje eu fui fazer uns exames pra saber os reais estragos que a vida desregrada de um bêbo réi causa na carcaça: cachaças baratas, Cantinas da Serra, 88, Derby, e um coração ferido por milímetro cúbico de sangue. Normal. O Brasil de verdade tá daí pra baixo. O povo é foda. Pro bem e pro mal.
De jejum peguei o ônibus, pra fazer um exame pro qual tinha que ficar de jejum e beber muita água. Fiquei de jejum mas esqueci de beber água. Na semana passada, aniversário do sobrinho, delícias e doces de criança, me empanturrei. Já aproveitei pra dar aquela desintoxicada básica. Desintoxiquei do açúcar, mas me reintoxiquei de dia-a-dia: tinha perdido o prazo de um dos exames, o qual não pude fazer por simples burocracia. Fiquei puto mas o erro foi meu. A atendente tava de mal humor, mas imaginei: se eu e ela estivéssemos num hospital público? Teríamos que engolir guela abaixo nossos maus humores no entorpecimento da realidade brutal. Bem, fiz um dos exames ainda.
Pra esse que consegui fazer, tinha esquecido de beber água, o que a enfermeira falou pra eu começar a imediatamente fazer. Borabora, Dez copos de água depois, a vontade de mijar não vinha (pra fazer o exame tinha que estar com a bexiga cheia). Depois dos dez copos, falei pra enfermeira:
-Meu bem, ainda não deu nada. Que faço?
Ela, simpática com a besta quadrada aqui, falou:
-Querido, vá dar uma andada. Quando apertar, volta.
Fui andar na frente do hospital. Depois de uma garrafinha d´água começar aquela vontadezinha mequetrefe, me lembrei: "o que que eu tô fazendo? É cerveja, porra!!!! A resposta é CERVEJA!"
Bem, estava evitando beber após eventos desastrosos bêbado, e consegui uma desculpinha safada que aliviaria minha culpa pela auto-sabotagem. E seria uma Heineken. Porra, uma Heineken gelada ao meio-dia num calor infernal merece qualquer desculpa. Só uma poxa!
Tomei-a. Saboreei-a. Nunca um exame foi tão bom. Se tiver algo errado, pelo menos a desculpa perfeita no mundo foi inventada. Mas pensei: "e se der merda? Algum problema no exame?" Bem, ultrassonografias são por fora, pô. O álcool não vai influenciar tanto. Só uma poxa. Tomei a cerveja, fiz o exame, e falei "essa história é Rock. A galera vai adorar!" Saí pra almoçar andando. Mas veio o peido. Ah, o peido. Sabe AQUELE PEIDO? Pois é.
Caguei-me todo. No meio da rua. E agora, Deus dos cagados? O que acontecerá com minha alma, tão sublime, porém agora profanada pela bosta fétida? Era só uma desculpinha Deus... Foi só uma! Porque me castigastes dessa forma, fazendo-me andar pela cidade dessa forma, CAGADO? Pegar ônibus não dá, Uber não dá também. Um jatinho não dá. Acabou minha vida, minha masculinidade se esvaiu pelo meu cú. Não há dinheiro que apague um olhar de reprovação de alguém quando se está borrado. Esquece. Fim da Linha pra você meu velho. Não és mais homem, és um rato. E cagado ainda por cima.
Fui andando pra casa. E puto, resolvi tomar mais uma num bar, cagado mesmo, foda-se. Liguei prum brother, chamado Clodoaldo, apelido Clô. Não atendeu. Sentei no bar, pedi uma, com medo do dono sentir o budum e me expulsar de lá.
-Ô, meu chefe, traz uma cerva por gentileza. Meu dia tá uma merda. Preciso relaxar.
-É pra já Irmão! Mas é adiantado, porque cê tá cagado.
-Pouurra, é minha bermuda que tá marcada, é? É o cheiro? Como você percebeu?
-Não irmão, é que cê tá com cara de merda mesmo. Melhora ela aí. Você encontrou o Paraíso, acabei de pôr papel no banheiro. Não cague na mesa, temos banheiro.
-Valeu, meu velho. Você é meu segundo pai, cara.
-Nem tanto, cagão, nem tanto. Mas já fiz tanta merda na vida que eu te entendo. De boa. Só melhora essa cara porque pior que um cagado é alguém com cara de merda.
Caralho, encontrei Sócrates e ele é um dono de bar agora. E na cagada, nunca bebi aqui. Que felicidade.
Parei e pensei: "ora, eu já nasci todo fudido. Cheio de placenta, sangue, eu vim da porra, porra. Dentro do útero nem oportunidade de fazer merda eu tinha, em todos os sentidos. Ah, vai morrer por tá cagado, ô seu merda? MERDA NÃO! Só um pouquinho na cueca, nem vazou." Bem, mas ir de ônibus seria um desrespeito, já que poderia, sem querer, pelo desconforto de inadequação querendo sentar-me logo, pousar-me ao lado de uma distinta senhora, que, tendo um olfato normal, poderia atentar-se ao fato do flato mal performado (ou muito bem performado, afinal se o peido é o anúncio da bosta, foi um peido super econômico, afinal foi tudo numa tacada só... Tacada não, peidada).
Cheguei em casa, pensando em todas as merdas que fiz na vida. Até certo momento da caminhada foi super engraçado, até o instante que começou a assar aquela merda nas pernas da consciência...
Mas estou vivo. A vida dá merda sim, muitas vezes, sempre vai dar. E pra isso só há uma coisa a se fazer: tome banho quando chegar em casa. E agradeça pelos Sócrates de merda que você encontra pelo caminho. São anjos travestidos de dia-a-dia. E cuidado com a Heineken num dia de sol, que pode dar merda MESMO.
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