sábado, 26 de dezembro de 2020

As Romãs de Alice

 

Hoje fui catar romã com minha mãe.

O pé de romã e a romã em si são, tanto em separado quanto em conjunto, de uma beleza rústica porém suave. A cor da romã, um rosa-verde, é da maturidade de anjos terrestres: áridos esperançosos, sutileza pandêmica de destroços alados, a beleza do sangue ralo produto de uma Vida de Amor. Os tons claros do pé de romã me lembram uma mendiga que conheci que se pintava com caneta esferográfica ao meio-dia no meio da ADE de Águas Claras, tão magra, tão caneta esferográfica, mas de Poesia Pungente na magreza. Sei que não existe beleza na miséria, mas existe beleza na esperança que emana de um Pé De Romã no meio da ADE. Ou do daqui de casa.

Pra catar a romã que queríamos, tivemos que cortar alguns galhos, que no chão ficaram como amigos que deixamos pra trás para chegarmos à fruta proibida da maturidade solitária. Tão verdinhos os galhos amigos. Tão gostoso seu verde claro, mas quero a romã perfeita no centro da fruteira. Os galhos estavam me traindo, tirando-me o direito do gosto até então desconhecido das sementes da romã. Eu tentei chegar até as seivas sem cortá-los, mas minha mãe, sábia, me disse que para chegarmos ao galho principal da Vida teríamos que deixar pessoas verdes no caminho, mesmo que isso machuque o coração. Eu, sendo verde, me sentia bem com meus companheirxs verdes, apenas alimentando a casca da romã sem provar sua linda cor. Mas alguns estavam mais perto da romã, e sentiam seu cheiro, e eu queria aquela cor da casca: qual seria o cheiro do gosto da cor da casca da romã? Isso meus amigos verdes não me revelavam, e me senti no jardim do Éden, e Deus é verde e eu sou um galho-serpente. E cansei de discutir sobre as verdades da Deusa-Mãe. Que cortemos os galhos verdes.

Finalmente arrancamos a romã! Sim, não catamos: arrancamos, desbravando aquela altura com o podador assassino de galhos verdes. Não tivemos culpa, juro! O desejo quem despertou foi a romã, e a culpa é da Mãe. Estou livre da culpa, que na verdade, é minha. Mas os galhos, esses sim, mereceram a poda filosófica. Nenhum galho pode me impedir de sentir o gosto róseo-verde de uma casca tão linda. Minha mãe, já conhecedora da Romã, a descascou, e o rosa pululou em deliciosos sulcos de sementes doces, as quais meu sobrinho já conhecia e eu não, esse já tendo se fartado do doce da Vida vindo da mão da Avó e, depois de começar a comê-los, percebi o Amor de Vó, o Amor de Mãe e o amor de Mulher. Mas tinha ouvido falar do chá da casca de romã, que era bom pra garganta e pro fígado, e eu, cantor alcoólatra, pensei: “é a fruta da minha vida.” Mas a Deusa avisou que o róseo da Vida é amargo. Bem, se eu bebo cachaça, eu devo por uma questão de honra aguentar o amargo da Vida. Comi a casca no seco: mas que porra, é Amarga mesmo! Venha Amargo da Vida filho da puta, eu quero que venha mesmo, porra, mas nem tanto, nous, que gosto horrível!!!! Péra, tá passando, ai, deixa eu comer umas sementinhas lindas e docinhas da Vó do meu Sobrinho... ALÍVIO...

A Romã é a Vida: a casca terrível que contém seu próprio antídoto que é a semente rósea doce do Amor ErosÁgapeFiloSerpente. A Casca é a ressaca, é a noite solitária triste, são os anos de Amor vencidos por um tapa, é meu egoísmo transmutado em sua raiva e deserção de uma guerra falsa por uma pátria chamada Eu. É a Morte do meu Pai e dos meus Amigos mortos em vida enterrados em caixões chamados Saudade. É o Anjo da caneta esferográfica de Águas Claras. Já a Semente é a redenção onírica e hedonista da Cor que guarda o DNA que produzirá os galhos lindos verdes e a nova casca amiga da onça-serpente.

Romã é Roma e Amor e o Verde-Rosa da Mangueira. E obviamente a rima perfeita pra travesseiro.

Então se cale perante à Deusa e arranque seu Romã-Amor!             

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A Pátria Poética de Haia

            A conheci através de uma Amiga-Anja, a mesma que tatuou em mim “A ESSÊNCIA BROTA”. Quando a luz brilha, ela faz barulho, que sinestesia bacana. Ou foi o Silêncio que gritou?

            A Deusa através de outra Deusamiganjaprofana. É uma Deusa que, como toda Deusa, existe se esgueirando no lustres flutuantes de uma deidade onipotente, mas em fama inglória: Haia ou Clarice? Maceió ou Tchetchelnik? Anarquista ou Anarquia? O quê ou Essência (do quê? Quem é quê?)... A palavra Essência se esgota quando escrita. Ainda mais maiúscula.

            Eu não entendo a Flor no Coração de olhos tão severos nas fotografias, mas fotografias são apenas as penas oriundas da luta dionisíaca-estoica-colossal-epopeica-atemporal-épica entre o ovo e a galinha, e as penas nasceram antes das penas... Eu gosto da Clarice Lispector porque ela consegue, como o Charles Bukowski e a atriz Grace Gianoukas, extrair do cotidiano, até então considerado banal, a Iluminação de quando saí do Útero da minha mãe Alice: a Clarice esclarece o gozo-gosma da barata, mas também redesmonta as trevas do Útero das nossas mães Alice e Mania, a masmorra que se tornou o resquício de perfeita escuridão daquele recôndito. O êxtase que exala da literatura clariceana é o cheiro férreo-doce do infinito mais abismal chamado sombra uterina. No caso do Buk a sombra é a da porra no vidro da janela, mas esse tópico não é relevante no momento. Muito em vários, mas não agora.

            A Clarice é de uma doçura da porra. (Não tô conseguindo. Eu quero me tornar ela pra falar dela, mas se eu me tornasse ela não poderia falar dela, porque somos espelhos refletidos... OPA, ESTOU CHEGANDO PERTO! DE ONDE MESMO?)  A Haia me faz amar o Brasil e a língua brasileira-portuguesa. Mas não é isso. É que ela se permite ser estrangeira de si mesma e isso causa uma atração entre pólos iguais que ressignifica a verdadeira pátria, a do dia-a-dia. A Pátria Poética de Haia é o olhar pros céus se perguntando se vai chover em Moçambique ou na Argélia ou no Chile, mas na Pátria Poética de Haia chove uma chuva de setas que tentamos engolir pra que voltemos ao eixo inaceitavelmente inequívoco do Nada.

            A Flor no Peito me dá uma vontade incontrolável de ser o não-ser, pra daí ressumar apenas o Gozo fazendo-o exponencial em outro Poema até a Morte morrer e viver nos vários dez de dezembro que vierem (ou é nove?)

            Te amo, Clarice. Nem sei se te amo. Por isso Te Amo.

            A Luz Brilhou Barulho Outra Vez