Hoje
fui catar romã com minha mãe.
O
pé de romã e a romã em si são, tanto em separado quanto em conjunto, de uma
beleza rústica porém suave. A cor da romã, um rosa-verde, é da maturidade de
anjos terrestres: áridos esperançosos, sutileza pandêmica de destroços alados,
a beleza do sangue ralo produto de uma Vida de Amor. Os tons claros do pé de
romã me lembram uma mendiga que conheci que se pintava com caneta esferográfica
ao meio-dia no meio da ADE de Águas Claras, tão magra, tão caneta
esferográfica, mas de Poesia Pungente na magreza. Sei que não existe beleza na
miséria, mas existe beleza na esperança que emana de um Pé De Romã no meio da
ADE. Ou do daqui de casa.
Pra
catar a romã que queríamos, tivemos que cortar alguns galhos, que no chão
ficaram como amigos que deixamos pra trás para chegarmos à fruta proibida da
maturidade solitária. Tão verdinhos os galhos amigos. Tão gostoso seu verde
claro, mas quero a romã perfeita no centro da fruteira. Os galhos estavam me
traindo, tirando-me o direito do gosto até então desconhecido das sementes da
romã. Eu tentei chegar até as seivas sem cortá-los, mas minha mãe, sábia, me
disse que para chegarmos ao galho principal da Vida teríamos que deixar pessoas
verdes no caminho, mesmo que isso machuque o coração. Eu, sendo verde, me
sentia bem com meus companheirxs verdes, apenas alimentando a casca da romã sem
provar sua linda cor. Mas alguns estavam mais perto da romã, e sentiam seu
cheiro, e eu queria aquela cor da casca: qual seria o cheiro do gosto da cor da
casca da romã? Isso meus amigos verdes não me revelavam, e me senti no jardim
do Éden, e Deus é verde e eu sou um galho-serpente. E cansei de discutir sobre
as verdades da Deusa-Mãe. Que cortemos os galhos verdes.
Finalmente arrancamos a romã! Sim, não catamos: arrancamos, desbravando aquela altura com o podador assassino de galhos verdes. Não tivemos culpa, juro! O desejo quem despertou foi a romã, e a culpa é da Mãe. Estou livre da culpa, que na verdade, é minha. Mas os galhos, esses sim, mereceram a poda filosófica. Nenhum galho pode me impedir de sentir o gosto róseo-verde de uma casca tão linda. Minha mãe, já conhecedora da Romã, a descascou, e o rosa pululou em deliciosos sulcos de sementes doces, as quais meu sobrinho já conhecia e eu não, esse já tendo se fartado do doce da Vida vindo da mão da Avó e, depois de começar a comê-los, percebi o Amor de Vó, o Amor de Mãe e o amor de Mulher. Mas tinha ouvido falar do chá da casca de romã, que era bom pra garganta e pro fígado, e eu, cantor alcoólatra, pensei: “é a fruta da minha vida.” Mas a Deusa avisou que o róseo da Vida é amargo. Bem, se eu bebo cachaça, eu devo por uma questão de honra aguentar o amargo da Vida. Comi a casca no seco: mas que porra, é Amarga mesmo! Venha Amargo da Vida filho da puta, eu quero que venha mesmo, porra, mas nem tanto, nous, que gosto horrível!!!! Péra, tá passando, ai, deixa eu comer umas sementinhas lindas e docinhas da Vó do meu Sobrinho... ALÍVIO...
A
Romã é a Vida: a casca terrível que contém seu próprio antídoto que é a semente
rósea doce do Amor ErosÁgapeFiloSerpente. A Casca é a ressaca, é a noite
solitária triste, são os anos de Amor vencidos por um tapa, é meu egoísmo
transmutado em sua raiva e deserção de uma guerra falsa por uma pátria chamada
Eu. É a Morte do meu Pai e dos meus Amigos mortos em vida enterrados em caixões
chamados Saudade. É o Anjo da caneta esferográfica de Águas Claras. Já a Semente
é a redenção onírica e hedonista da Cor que guarda o DNA que produzirá os
galhos lindos verdes e a nova casca amiga da onça-serpente.
Romã
é Roma e Amor e o Verde-Rosa da Mangueira. E obviamente a rima perfeita pra
travesseiro.
Então
se cale perante à Deusa e arranque seu Romã-Amor!
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