sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Túneis entre continentes separados

O que sempre está mudando
Não muda
Como o grito mais alto do mundo
Vem da boca que é surda
A riqueza vem dos pobres
Como a falta vem das sobras
Andam juntas luz e sombra
Sanidade é a iluminada lombra
Lombra, lombra, lombra de sombra
Na cabeça das lontras tontas
De tanto nadar contra a ronda
Da roda que é o mundo que gira
Simples
Seja
Simples
Amor
Comida
Água
Almas
Coração é o túnel pra alma.

O nascer da poesia

É uma linha em branco
Que aponta pra estrada pro inferno
Inferno quente e agradável
Antes de queimar
Mas aí queima e quando queima
É a morte rondando o corpo pútrido
É o cuspe na mandioca e um HD de um zilhão
È o prazer moderno e o primal rústico
É a repetência sem recuperação
É bom pra cacete, mas depois enoja
Se você quer mais é praticamente uma loja
Mais prazer, mais cerveja e mais vômito
Mais caganeira, mais noites sem sono
Mais palavras, milhões delas
Jogadas pela janela
A boca é a janela do quarto de hotel
De um rockstar puto
Foi tudo pela janela: cuspe, fogo, TV
As piores coisas do mundo e o amor
Ah, o amor... A cada momento que passa
Preencho a linha em branco
E mato mais um pouco o amor
Cada palavra menos amor pra mim
De mim pra folha
As folhas das linhas em branco
Poesias tóxicas...

Uma maçã no túmulo de Syd Barret

Esse sexo vai e volta
Numa mente cor-de-fogo
Grandes lábios, pequenos lagos
Céus azuis, manhãs revoltas
Lençóis sem volta atrás da nuca
Arrepios e arnicas
Pra curar as lembranças
Que não são cortes, mas insistem
Em sangrar e bebo numa taça
O seu sangue.

Morto-vívido

Tudo espalhado pelo chão
Celulares e corações
Já não fazem mais ligações
Não ligam pra perdir perdão

Frio na barriga
Vomitando frustrações
Rezando pra que não aconteça mais
Inevitáveis ações

Hoje começa o pior frio
Pois é morno
Aquele limítrofe vazio
Do quase morto

E mais uma vez o álcool não conservou
E darei mais um gole
Como aquele que nem amou
E ainda sim sofre

Ou de repente finge muito bem
Que não amou, ou sofre
E quando não importa mais nada
Só o gole

Hoje começa o inferno
E estou vivo
Um inferno no ar disperso
E por isso mais vívido

Quarto de tempo

Hoje o mundo não existe
Viajo nas paredes
Deixo o arrependimento pra amanhã
Debaixo das unhas
O som dos carros está longe
Nem quero saber onde
Apenas sonoplastia de um filme absurdo
Que assisto, chamado Tempo
O pensamento é um mantra
E revestido em seu manto
Tudo fica invisível
E aparente
A maçã
E a serpente
O amanhã
E o de repente
Junto separado
Rastejante e alado
Sempre ali do lado
Aqui dentro.

Mundinhos

Eu não quero ser macho
Eu não quero ser gay
Eu não quero ser pobre
Eu não quero ser rei
Eu não quero ser punk
Não quero ser playboy
Cada um é que sabe
Onde a ferida dói

Mas tem gente que olha
E acha que é mais ou menos
E só abre mais cortes
Não costura remendos
Investindo em falar
Porém nunca sentir
Querem só vomitar
E nunca engolir

Se você quer saber
Eu não me importo mais
Eu me excluo da guerra
E descanso em paz
Sendo a solidão
Com veneno na língua
Se você esquecer
Que a brasa é mais forte
Quando a madeira mingua.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Esquecer

Eu queria mais um trago
Eu queria mais um toque
Eu queria mais um pouco
Pra repor todo estoque
Hoje eu vi meu relicário
Ele está abarrotado
Do que nunca vai voltar
Mas que sempre está do lado
Do lado esquerdo do peito
De tudo que é mais bem feito
Nunca mais vai ser quebrado
Congelado no passado
E fervente no presente
Pois é o que faz a gente
Não se perder no caminho
De pouquinho em pouquinho

É um prazer lembrar de tudo
E dói tanto, lá no fundo
Perceber que pra crescer
É preciso esquecer
(E que isso é tão difícil...)

sábado, 27 de novembro de 2010

" Desilusões"

Semblante sinistro de uma seiva súbita sangrenta,
Algo cansado e sem graça,
Como uma dor que já já passa,
Algo que não mais se reinventa,
Estou só um pouco cansado
De pessoas sem espelho
Vivendo numa casa de espelhos
Estojos de maquiagem espalhados
Pulmões cansados dos excessos
Coração cansado desse amor
Tão falso quanto essa flor
De plástico e poluição e abcessos
Quero me amar
Mas hoje está difícil
Pois parece que de mim mesmo
Estou longe um precipício
Sei que me amo
É só um pouco de sono
Dias de auto-abandono
Mas eu sei que me amo...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"Lamento dos Sonhos"

Meus sonhos são seitas
E eu sou o deus
Às vezes me sinto uma igreja abandonada
Todos passam em frente
E ninguém entra...
Mas ainda ecoam os cantos ali dentro
Do tempo que ainda existia um céu
Quando a divindade ainda se rebelava
Contra o inevitável cansaço
A modernidade sempre vem
E os deuses caducam em prol de outras coisas
Sagradas ou profanas
Simplesmente outras coisas
Simplesmente passagem
Eu sou o muro das lamentações
Dos meus sonhos...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Pique-esconde"

A vida inteira se escondendo de si mesmo
Num pique-esconde entre um segredo e outro
Até o espelho é traído com sucesso
Quando convém até a merda vira ouro

E aqueles passos que levam ao fim do túnel
Direto para a luz mas em cima do trilho
Tal qual a traição de um querido filho
Sem perceber a verdade se torna táctil

Se torna punho, se torna rosto
Tudo no mesmo corpo
O rato fez sua ratoeira
Tudo no mesmo corpo
Teu esconderijo perfeito
Foi tão óbvio quanto louco
Tão longe do lado dentro
E eu não te achei por pouco.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Refluxo

Fluidos sexuais penetrando
Ruídos primitivos só zunindo
Motores estão esfriando
As abelhas da colmeia estão saindo
As personalidades se despersonificando
Os personalistas se despersonalizando
E ficando iguais como os dias ficaram
Depois que as explosões do sol esfriaram

Refluxo da Vida
Refluxo da Morte

As ondas do mar para dentro
O corpo que quer um veneno
O feto que quer nascer feto
O Burro que sonha em ser coruja
O padre agora quer ser filho da puta
Os demônios querem voltar para o céu
Os hippies cismaram com a armada luta
E os punks querem evitar o escarcéu

Refluxo da Vida
Refluxo da Morte.
"Dia Chuvoso"

Rostos estranhos
Vidas mortas
Portas abertas
Porém fechadas mesmas portas
Blusas de couro de cobra
E guarda-chuvas de sobra
Frio na pele e no olhar
Nas pernas e no caminhar
Olhares olhando o nada
Dentro do tudo das lembranças
Dos pés à cabeça encharcada
De chuva e dança de crianças
Favela alagada
Favela de sonhos
No meio do escombro
Uma rosa intacta
Esquinas erradas e a certa
É sempre na próxima esquina
De mini-saia a menina
O frio esquenta suas pernas?
Horizonte de prédios enevoados
Névoa de horizontes prediais
Sensações de frios infantis
Que sempre voltam nunca mais
Arrepio de uma brisa gélida, cortante
De um dia de sol.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A lâmpada é um mosquito

O futuro está no cigarro
Sonhos em pensamentos tumultuados
Vai ser sempre assim, claro:
O ontem vai estar sempre ao seu lado
E teremos saudades de hoje.
E isso já foi dito ontem, e eu lembro
Hoje e lembrarei amanhã...
Hoje, ontem, amanhã
Ontem, amanhã, hoje
Onamatem nhãhoaje.
Olhei pra lâmpada um milhão de vezes
Antes ela até se mexia
O silêncio tinha um gosto diferente
Mas não sou só eu, antes
Mais coisas aconteciam...
O futuro está no cigarro
Não o queime apenas
Não transforme esse cigarro
Em um câncer estúpido e só
Eu vi o sol hoje e ele nunca me pareceu
Tão vazio
E sei que nele há segredos tão singulares
De deixar a vida por um fio
Como é a eternidade uma lâmpada
Para um mosquito.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Show dias 21 e 29 de abril


Foto e arte: Milla de Paula

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Síntese do epitáfio da gênese

Veja meu rosto pálido
E meu pênis ereto
Sexo, drogas e destruição
Meu moral flácido
E minha moral reta
Mais um milênio pelo chão
Mas mesmo no claustro
Eu encontro um ombro amigo
Fogo na pele mas não no coração
Da desilusão segui o rastro
E outros desgraçados vieram comigo
Parece genética essa propensão
Ou são sintomas apensas do mundo
Em estelar regressão?
Eu olhei pro lado quando olhei pro espelho
E não adiantou pois você foi o meu reflexo
Minha razão foi de encontro ao instinto
E lendo o Kama Sutra baseei o meu sexo
Como se Dionísio trepasse com Apolo
Sonhos despertassem inférteis solos
Os Smiths tocassem infindáveis solos...
Sigo o instinto pensando demais
Como nós (nós) animais racionais
Deuses-animais, homens infernais
Faço isso rondando o equilíbrio
Como um cachorro atrás do próprio rabo
Como um pai que é neto e filho
E como um grande Poeta que não é
Um livro nunca acabo...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Tempo dentro dum relicário

Tempo-ácido.
A cada hora que passa
Mais o tempo passa e um pouquinho
Do espelho racha.
Imagem flácida (como as margens plácidas.
Onde está Plácido Domingos?
É que eu só saio aos Sábados...)
O pau já não sobe
A boceta já não molha
Coração já não dispara por medo da morte
O tempo te me feito sofrer
O tempo tem me feito perder tempo
Bateu um desespero! A fada madrinha
Está derretendo vida afora
Vida fora daqui. A vida faz é sumir
E a encontro apenas em relicários.
Túmulo-relicário...
Todos me acham meio tapado
E eu realmente queria ser tapado
Como eles para não sofrer tanto
Mas ignorância não é benção e isso
Está tatuado em minha alma.
Boa noite.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

!

Em longínquas eras
Outros ouvidos doeram
Outras almas sofreram
Em noturnas querelas
Com o espelho

Tentando achar palavras
E só achando o silêncio
Depois da peleja travada
Com o fulgurante pensamento
Que não explode

Os cães lá fora latem
No relógio os segundos batem
E eu nessa agonia augustiana
De expressar algo que me assanha
Causa cãibra cerebral

É uma mortalha de mil panos
Dentro minha alma chora mil prantos
Triste não exatamente por tristeza
Mas por não conseguir com destreza
Dizer o que se quer

Não há profundidade suficiente
Na caneta pra descrever o abismo
Abissal latente na pele demente
(e essa frase ainda soa eufemismo)

Quase consegui
Boceta da desgraça
Cabeça de pau
Cabeça doendo
E amanhã como sempre
De novo tento... De
Novo

sexta-feira, 5 de março de 2010

ILÍACA

Nas veias da cabeça
Nas veias dos meus ossos
Na pele do joelho
Nas veias do cabelo
Nos ossos do cabelo
Drenando o cerebelo
Parindo da minha tíbia
Do fóssil que sou hoje
Mais podre que as múmias
Fuçando o fóssil ínfimo
Quebrando a crosta creme
Nas veias da cabeça
Na ilíaca da minha alma
Partiu meu coração
Às vezes vem a calma
Mas dura três segundos
O resto da minha vida
Com a fratura exposta
Sendo fóssil já novo
Tal qual um podre ovo.